A Matemática por Trás dos Algoritmos das Redes Sociais: Como Somos Lidos e Direcionados Digitalmente
9/2/202511 min read


No cenário contemporâneo, as redes sociais se tornaram uma parte intrínseca e quase onipresente da vida de milhões de pessoas, desde estudantes do ensino médio até professores universitários. Plataformas como Instagram, TikTok, Facebook e X (antigo Twitter) não são apenas espaços de conexão e entretenimento; elas são ecossistemas digitais complexos, moldados por uma força invisível, mas poderosa: os algoritmos. Esses conjuntos de instruções lógicas e fórmulas matemáticas atuam como o cérebro por trás da experiência digital, decidindo o que vemos, com quem interagimos e até mesmo como percebemos o mundo ao nosso redor [1].
Neste artigo, mergulharemos na matemática por trás dos algoritmos das redes sociais, desvendando como eles funcionam, qual o seu impacto na nossa experiência online e como essa compreensão pode nos capacitar a navegar de forma mais consciente e crítica no universo digital. Nosso objetivo é fornecer uma análise argumentativa que não apenas informe, mas também instigue a reflexão sobre o poder e as implicações dessas estruturas matemáticas em nossas vidas.
O que são algoritmos e como eles funcionam?
Em sua essência, um algoritmo é um conjunto finito de instruções bem definidas e não ambíguas, que, quando executadas em uma sequência específica, resolvem um problema ou realizam uma tarefa. Pense em uma receita de bolo: ela é um algoritmo. Seus ingredientes são os dados de entrada, e as etapas são as instruções que, se seguidas corretamente, levam ao bolo (o resultado esperado). No contexto das redes sociais, esses “ingredientes” são os dados que geramos a cada interação: um “curtir” em uma foto, um comentário em uma publicação, o tempo que passamos assistindo a um vídeo, as pessoas que seguimos, as hashtags que usamos, e até mesmo a localização do nosso dispositivo [2].
Esses dados são a matéria-prima para os algoritmos. Eles são processados por modelos matemáticos complexos, muitas vezes baseados em técnicas de aprendizado de máquina (Machine Learning). O objetivo principal desses algoritmos é otimizar a experiência do usuário e, consequentemente, maximizar o tempo de permanência na plataforma e o consumo de conteúdo. Para isso, eles buscam prever o que cada usuário gostaria de ver, com base em seu comportamento passado e no comportamento de usuários semelhantes. Por exemplo, se você interage frequentemente com publicações sobre viagens, o algoritmo interpretará isso como um sinal de interesse e priorizará a exibição de conteúdo relacionado a viagens em seu feed.Um dos modelos mais comuns utilizados é a filtragem colaborativa. Imagine que você e um amigo têm gostos musicais muito parecidos. Se seu amigo descobre uma banda nova que ele adora, é provável que você também goste. A filtragem colaborativa funciona de forma similar: ela identifica padrões de comportamento entre diferentes usuários. Se usuários com perfis de interesse semelhantes ao seu interagem com um determinado tipo de conteúdo, o algoritmo pode inferir que você também terá interesse nesse conteúdo e o recomendará. Isso é o que acontece quando o Facebook sugere “amigos em comum” ou o Instagram exibe publicações de contas que você ainda não segue, mas que são populares entre pessoas com quem você interage [3].
Além da filtragem colaborativa, os algoritmos utilizam técnicas de processamento de linguagem natural (PLN) para entender o conteúdo textual das publicações, visão computacional para analisar imagens e vídeos, e análise de grafos para mapear as conexões entre usuários e conteúdos. A combinação dessas e outras técnicas matemáticas permite que os algoritmos criem um perfil detalhado de cada usuário, ajustando continuamente o feed de notícias para mantê-lo engajado. É um ciclo contínuo de coleta de dados, análise, previsão e recomendação, tudo em tempo real e em uma escala massiva.
O impacto dos algoritmos na experiência do usuário
A personalização, embora muitas vezes vista como um benefício, é uma faca de dois gumes. Ao nos mostrar apenas o que ele acredita que queremos ver, o algoritmo pode nos aprisionar em bolhas de filtro e câmaras de eco [4]. Uma bolha de filtro é um estado de isolamento intelectual que pode resultar de pesquisas personalizadas em que um algoritmo de site seleciona seletivamente as informações que um usuário gostaria de ver com base em informações sobre o histórico de localização do usuário, histórico de cliques e comportamento de pesquisa anterior. O resultado é que o usuário é exposto apenas a informações que confirmam suas crenças existentes, e não é exposto a pontos de vista divergentes. As câmaras de eco são semelhantes, mas são criadas por nós mesmos, ao nos cercarmos de pessoas que pensam como nós, seja online ou offline. Em ambas as situações, a exposição a diferentes perspectivas é limitada, o que pode levar à polarização de ideias e à dificuldade de compreender pontos de vista opostos.
Além disso, os algoritmos são projetados para maximizar o engajamento. Isso significa que eles priorizam conteúdos que geram mais interações, sejam elas positivas ou negativas. A matemática por trás disso é simples: quanto mais tempo você passa na plataforma, mais anúncios você vê, e mais dados são coletados. Para manter o usuário engajado, os algoritmos utilizam gatilhos psicológicos, como a recompensa variável (a imprevisibilidade de quando e como o próximo conteúdo interessante aparecerá) e a validação social (curtidas e comentários). Isso pode levar a um ciclo vicioso de uso excessivo, que, em casos extremos, pode se assemelhar a um vício digital, com impactos negativos na saúde mental, no sono e nas relações interpessoais, especialmente entre adolescentes [5].
Outro impacto significativo é a amplificação da desinformação e da polarização. Algoritmos, por sua natureza, tendem a priorizar conteúdos que geram forte reação emocional, pois esses conteúdos costumam ter alto engajamento. Infelizmente, isso inclui notícias falsas, teorias da conspiração e discursos de ódio. Quando um conteúdo sensacionalista ou divisivo é compartilhado e gera muitas interações, o algoritmo o interpreta como “relevante” e o distribui para um público ainda maior, criando um ciclo de retroalimentação que pode minar a confiança em instituições, promover a intolerância e até mesmo influenciar processos democráticos. A matemática aqui não é neutra; ela reflete e amplifica as tendências do comportamento humano, para o bem e para o mal [6].
A matemática em ação: exemplos práticos
Para entender a profundidade da influência dos algoritmos, é crucial observar a matemática em ação em exemplos práticos do dia a dia nas redes sociais:
1. Ranking de Conteúdo: Como a Relevância é Calculada?
Quando você abre seu feed, não vê todas as publicações de todas as pessoas e páginas que segue em ordem cronológica. Em vez disso, um algoritmo complexo decide a ordem em que o conteúdo aparece. Essa decisão é baseada em uma série de fatores, cada um com um peso matemático diferente. Por exemplo, o algoritmo do Facebook, conhecido como EdgeRank (embora tenha evoluído significativamente, o conceito permanece), considerava três pilares principais para determinar a relevância de uma publicação:
Afinidade: Quão próximo você está do criador do conteúdo? Se você interage frequentemente com um amigo ou página, o algoritmo entende que há uma alta afinidade, e as publicações dessa fonte terão maior probabilidade de aparecer no seu feed. Matematicamente, isso pode ser representado por um score de afinidade que aumenta a cada interação (curtida, comentário, compartilhamento, visualização de perfil) e diminui com a falta de interação ao longo do tempo.
Peso do Conteúdo: Diferentes tipos de conteúdo têm pesos diferentes. Vídeos e transmissões ao vivo, por exemplo, geralmente recebem um peso maior do que fotos ou textos simples, pois tendem a gerar mais engajamento e tempo de visualização. O algoritmo atribui um valor numérico a cada tipo de interação e a cada formato de conteúdo, priorizando aqueles que historicamente mantêm os usuários na plataforma por mais tempo.
Tempo de Decaimento: A novidade do conteúdo é um fator crucial. Publicações mais recentes tendem a ter um peso maior, mas esse peso decai rapidamente com o tempo. Isso significa que uma publicação de algumas horas atrás terá menos chance de aparecer no seu feed do que uma publicação de minutos atrás, a menos que ela esteja gerando um engajamento extraordinário. Essa função de decaimento temporal é uma equação matemática que garante a atualização constante do feed.
Esses fatores são combinados em uma fórmula que calcula um “score de relevância” para cada publicação. As publicações com os scores mais altos são as que você verá primeiro. Essa otimização matemática visa manter o usuário engajado, mas também cria a “bolha de filtro” mencionada anteriormente, pois o algoritmo tende a mostrar mais do que você já gosta, reforçando suas visões existentes [7].
2. Sugestão de Amizades/Conexões: Grafos e Teoria das Redes
As sugestões de amizade no Facebook, conexões no LinkedIn ou perfis a seguir no Instagram não são aleatórias. Elas são o resultado da aplicação da Teoria dos Grafos e da Análise de Redes Sociais. Um grafo é uma estrutura matemática composta por “nós” (ou vértices) e “arestas” (ou ligações) que conectam esses nós. Nas redes sociais, os nós são os usuários e as arestas são as conexões (amizades, seguidores, interações).
Os algoritmos analisam a estrutura desses grafos para identificar padrões e prever novas conexões. Por exemplo:
Amigos em Comum: Se você tem muitos amigos em comum com uma pessoa que ainda não é sua amiga, o algoritmo pode inferir que vocês têm uma alta probabilidade de se conhecerem ou de terem interesses em comum. A matemática aqui envolve a contagem de caminhos e a identificação de clusters (grupos de nós densamente conectados).
Conexões de Segundo Grau: No LinkedIn, por exemplo, as sugestões de conexão frequentemente incluem pessoas que são “conexões de segundo grau” – ou seja, amigos de seus amigos. Isso é uma aplicação direta da análise de proximidade em grafos.
Interesses Compartilhados: Além das conexões diretas, os algoritmos também analisam os interesses expressos pelos usuários (páginas curtidas, grupos, hashtags seguidas) e os mapeiam em um grafo de interesses. Se dois usuários têm muitos interesses em comum, mesmo sem amigos diretos, o algoritmo pode sugerir uma conexão. Isso é feito através de algoritmos de similaridade que calculam a distância entre os vetores de interesse de cada usuário [8].
Essas análises de grafos são fundamentais para expandir a rede de contatos dos usuários, o que, por sua vez, aumenta o potencial de engajamento e a coleta de dados para os algoritmos.
3. Publicidade Direcionada: Otimização e Segmentação
Talvez a aplicação mais visível da matemática dos algoritmos seja a publicidade direcionada. As redes sociais coletam uma quantidade imensa de dados sobre seus usuários, que vão muito além das interações na plataforma. Eles incluem dados demográficos (idade, gênero, localização), interesses (baseados em curtidas, buscas, páginas visitadas), comportamento de compra (se você clicou em anúncios de produtos específicos) e até mesmo dados de localização em tempo real. Todos esses dados são processados por algoritmos de otimização e segmentação.
Segmentação de Público: Anunciantes podem segmentar seu público-alvo com uma precisão impressionante. Eles podem escolher exibir anúncios para “mulheres de 25 a 35 anos, que moram em São Paulo, interessadas em moda sustentável e que visitaram um site de e-commerce de roupas nos últimos 30 dias”. Essa segmentação é possível graças a modelos preditivos que usam os dados coletados para classificar os usuários em diferentes categorias de interesse e comportamento. A matemática por trás disso envolve estatística, probabilidade e algoritmos de classificação, como árvores de decisão ou redes neurais.
Otimização de Campanhas: Os algoritmos também otimizam a entrega dos anúncios em tempo real. Se um anúncio está performando bem (gerando muitos cliques ou conversões) para um determinado segmento de público, o algoritmo automaticamente aumenta a frequência de exibição para esse segmento. Se um anúncio não está performando, ele reduz a exibição ou o direciona para outros segmentos. Isso é um exemplo de aprendizado por reforço, onde o algoritmo aprende e se ajusta continuamente para maximizar o retorno sobre o investimento (ROI) do anunciante [9].
Em resumo, a publicidade direcionada é um testemunho do poder da matemática e da ciência de dados em ação, transformando cada interação online em um ponto de dados valioso para a criação de perfis de consumo altamente detalhados.
Conclusão
A matemática por trás dos algoritmos das redes sociais é um campo fascinante e em constante evolução, que molda profundamente a nossa experiência digital. Longe de serem meras ferramentas neutras, esses algoritmos são construções complexas que refletem e amplificam padrões de comportamento humano, com implicações significativas para a forma como nos informamos, interagimos e percebemos o mundo. Compreender como somos “lidos” e “direcionados” digitalmente não é apenas uma questão de curiosidade tecnológica, mas uma necessidade premente para o desenvolvimento de uma cidadania digital consciente e crítica.
Para estudantes que se preparam para o vestibular, este tema oferece uma oportunidade ímpar de conectar conhecimentos de diversas disciplinas – da matemática à sociologia, da filosofia à ciência da computação – e de desenvolver uma argumentação sólida sobre os desafios e as oportunidades da era digital. A capacidade de analisar criticamente o papel dos algoritmos na sociedade é uma habilidade cada vez mais valorizada, não apenas em exames, mas na vida profissional e pessoal.
Para professores, a discussão sobre algoritmos e redes sociais é uma ponte para engajar os alunos em temas relevantes, estimulando o pensamento crítico e o letramento digital. É fundamental que as novas gerações compreendam que a internet não é um espaço neutro e que a informação que recebem é curada por sistemas que visam, acima de tudo, o engajamento e a monetização. Ensinar a questionar, a buscar fontes diversas e a reconhecer os vieses algorítmicos é um passo crucial para formar cidadãos mais autônomos e resilientes em um mundo cada vez mais digitalizado.
Em última análise, a matemática dos algoritmos nos convida a uma reflexão mais profunda sobre o nosso próprio comportamento online. Somos meros consumidores passivos de conteúdo, ou podemos nos tornar agentes ativos na construção de uma experiência digital mais rica e diversificada? A resposta a essa pergunta reside na nossa capacidade de compreender as regras do jogo e de usar esse conhecimento para navegar com sabedoria no vasto oceano das redes sociais.
Referências
[1] Sebrae. Como funcionam os algoritmos das redes sociais. Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/como-funcionam-os-algoritmos-das-redes-sociais,d747b240aba76810VgnVCM1000001b00320aRCRD.
[2] Ellos Design. Algoritmos das Redes Sociais: use a seu favor!. Disponível em: https://www.ellosdesign.com.br/post/33/algoritmos-das-redes-sociais-use-a-seu-favor.
[3] mlabs. Algoritmos das redes sociais 2024: faça trabalharem a seu favor!. Disponível em: https://www.mlabs.com.br/blog/algoritmo-das-redes-sociais.
[4] Estadão. Entenda como funcionam os algoritmos e veja dicas para tentar.... Disponível em: https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/entenda-algoritmos-redes-sociais-bolhas/?srsltid=AfmBOoqzdjJLfp3ySkNOYo5Iwrs2gkw1fYKpvIpOVxZFLenIMaYaMfNr.
[5] Jovem Pan. Como os algoritmos das redes sociais nos manipulam?. Disponível em: https://jovempan.com.br/opiniao-jovem-pan/comentaristas/davis-alves/como-os-algoritmos-das-redes-sociais-nos-manipulam.html.
[6] G1. Por que algoritmos das redes sociais estão cada vez mais.... Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2021/10/10/por-que-algoritmos-das-redes-sociais-estao-cada-vez-mais-perigosos-na-visao-de-pioneiro-da-inteligencia-artificial.ghtml.
[7] BBC. Como algoritmos mudaram a maneira como interagimos. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cm2yjzpykg7o.
[8] Unibanco. Redes Sociais: como funciona o algoritmo do FB, IG e TikTok?. Disponível em: https://www.unibanco.pt/blog/inovacao-e-tecnologia/algoritmo-redes-sociais/.
[9] LinkedIn. Impacto dos Algoritmos na Sociedade: Uma Análise Psicossocial. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/impacto-dos-algoritmos-na-sociedade-uma-an%C3%A1lise-melo-fhlvf.